09 abril, 2008

O erro


Acordou tão tarde quanto nos outros dias deste período monótono de sua (por falta de nome melhor) vida. Comeu sem fome, ou antes com fome, mas principalmente por uma necessidade de sentir que alguma ordem havia em ter três refeições diárias, o que já o ajudava a inscrever-se no tempo e dar-lhe assim algum sentido, que não o de sempre fugir. Nenhuma cafeína seria necessária naquela refeição sucessora de um despertar que embora ridiculamente lento não falava de nenhuma necessidade de nosso, a não ser da necessidade de não estar acordado. O que o sono lhe dava, nunca era uma manhã plácida e a ânsia de um dia novo, em que a vida seria outra, mesmo se chegasse a pensar nestas coisas, era justamente a alternativa possível à morte que ainda faltaria muito para acontecer. A necessidade de descobrir algo, não importava o que, ou antes bastaria lhe parecer algo suficientemente importante para ter o nome de descoberta, impedia qualquer tristeza, e às vezes se conciliava tímida e incongruentemente com alguma alegria. Nestes momentos os sorrisos e risos começavam espontâneos e terminavam nervosos como se não tivessem direito de ser antes da descoberta, que às vezes gostava de chamar “resposta”, nome que descartava na falta de uma (única e unitária) pergunta.

Fez o que tinha que fazer, como comera o que tinha que comer. As escolhas se colocavam de forma simples: o que precisa ser feito é feito, e as necessidades nascem muito facilmente no tédio e nas fugas. Fugir e entediar-se revelavam-se nestes momentos como correlatos interessantes (?) da falta de sentido: era preciso fazer algo, talvez ir a algum lugar, e logo descobrir a inutilidade e perceber o tédio de fugir o fazer ficar esperando a potencialização do novo tédio gerar nova fuga e assim sucessivamente até que as sucessões mesmas o entediassem e instaurassem o paradoxo na questão.

As descrições vão se tornando inúteis. O importante é ir demarcando a passagem do tempo pelas três refeições principais que se propunha em dias como todos os outros. Dias que explicam a invenção do calendário, em que o tempo realmente passa: pois nada acontece. Nada que pareça mais importante que as inevitáveis três refeições diárias. Tudo o que era mais importante e prioritário que estas três refeições seria facilmente adiado em função destas, mesmo que a fome fosse não mais que um sentido orgânico, e como tal altamente perecível e instável e, por que não?, o pretexto perfeito.

Precisava evitar fazer tudo o que fosse necessário, se não o fosse por imposições internas, como a fome que quase não sentia para poder senti-la sempre. Pudesse não comer nunca e encontraria todo um mundo de frivolidades obrigatórias e sentiria estes outros gostos tão insossos quanto. Em arroubos otimistas, sentir-se-ia vivo, até a hora de dormir, quando então descobriria a verdade. Mas a própria descoberta apagaria toda a sua verdade e ao acordar continuaria pensando, para passar o tempo, estar vivo.