E Ele Se Chamava José
Celtiberos. Assim são definidos os espanhóis formados por duas origens distintas. A dos olhos azuis e cabelos louros que não aparecem nos filmes são os celtas. O ibero, a outra metade da palavra, é um nome vago para definir pessoas, já que mouros e cristãos (os novos, judeus antigos, ou antigos, católicos) misturaram-se formando uma não etnia de possíveis cores não tão brancas, confirmando a existência de seres humanos e de nenhuma outra raça.
José tinha esse nome sempre dito com o “E” aberto e com um “J” que não se assemelha a um “R”, era, enfim, brasileiro. Sua aparência, no entanto, não o definia como não espanhol. Moreno e com um cabelo castanho de origens e ondas múltiplas. Na Espanha havia dois anos, no entanto, falava seu nome à maneira castelhana e ninguém diria que antes falava tão brasileiro, que era. Quando, raro, falava. Seu silêncio era pela primeira vez eloqüente, desfazia sua origem estrangeira.
Não entendia bem o que definia uma nacionalidade, só que nunca havia se visto como possuidor de uma e quando no suposto país estrangeiro ninguém o via como possuidor de outro gentílico que não o definir daquele mesmo lugar no qual pisavam os que primeiro lá pisavam, ele não ousava, condizentemente com seu pouco temperado temperamento, negar sua subentendida espanholidade.
Algo como que um conflito ético nele se instaurara, vencendo a preguiça que tinha para essas coisas, quando pela primeira vez o amor foi mais forte do que um comercial de margarina ou o que, achava, era um eufemismo (a palavra que passava por sua cabeça era “frescura”) para sexo quando este se tornava um ato. Era uma menina bonita, talvez, com as feições também menos celtas que providas de melanina, embora com olhos de uma cor favoravelmente indefinível. Era alguém que fazia José pensar em pensar em sua existência. Em deixar de aceitar que o serviço de limpeza de navios o tivesse esquecido em outro continente sem pagá-lo. Que aquilo não era um acontecimento. Eventos assim faziam dele um espécime estranho, provido de algo que, de tão indefinido, quase não podia ser chamado de subjetividade.
Mas Maria era alguém que ria de sua apatia. Que enxergava nela algo de misterioso que ninguém, sem exceção nem dano para José, nunca havia visto ou sequer se dado ao trabalho de imaginar. Eles ficavam sentados um ao lado do outro por longos minutos e Maria ria sem saber por que e José resolveu sorrir por uma educação que nunca antes lhe parecera necessário cultivar. Este foi o depois do começo em que ela perguntava o que José ia querer e era difícil convencê-lo que a resposta “tanto faz” não é boa de dar a uma garçonete de estabelecimentos populares o suficiente para que os menores funcionários, Maria e mais quatro, não devessem responder que a opção mais cara era a melhor. Até porque as diferenças não passavam da casa dos centavos.
Como Maria gostava quando ele ficava quieto, ele nunca precisou dizer que era brasileiro. Ele nunca precisava dizer nada. Sorrir nunca tinha deixado de ser suficiente. Ele não dizia nada que não pudesse ser considerado um clichê de namorados, que não será reproduzido, com o diferencial que tinha uma certa timidez com falas que começava a perceber exageradas, e quase
todas podiam ser percebidas assim e o faziam preferir o silêncio. Foi marcado o casamento.
No altar, ele. Atrás, alguns companheiros da obra e amigas garçonetes de lanchonetes atual e anteriores.(Ele explicou que a morte de seus pais o deixara sem parentes e ela se satisfez com a mais íntima das revelações que ele já há lhe havia feito.) Algumas amigas choram, alguns companheiros riem, ele sorri para ela que caminha devagar e quase chora.
O padre: as perguntas de sempre as respostas também. Quase.
Era a primeira vez que a emoção lhe parecia algo mais forte que o frio ou o calor. Ele era a segunda pessoa mais importante de um acontecimento! Para a primeira mais importante, talvez ele fosse a primeira. A infância que ele não lembrava antes desta já não ser quase nada infantil, veio em alguns relâmpagos mentais. E ele lembrou que já teve pais. Ele lembrou que não tinha paz. Ele lembrou porque tanto fazia o que comer desde que comesse. Ele lembrou.
Ele, pela primeira vez desde a quase antes esquecida infância, sentiu algo na garganta que lhe molhava os olhos.
A pergunta de sempre, se José aceitava Maria, a resposta de José: “Sim”. Algum silêncio. O som era anasalado. Era outra língua. Era português. E uma pergunta, de Maria, não convencional em casamentos: “Eres brasileño?” “Sim”, de novo. E eles foram autorizados a se beijarem e José percebeu que, mais que apaixonado, estava feliz. E que as duas coisa eram parecidas, mas não a mesma.
5 Comments:
Visto que tenho vínculo com este tema ibérico, o texto provocou meu interesse. Mas não só por isso. Antes de ser espanhol, sou humano, e o texto soube entender e reverberar, com muito respeito e intensidade, alguns dos sentimentos mais perenes do homem: a identidade e o amor.
Só um lembrete: desenvolva (ou apenas traduza) aquele texto sobre o náufrago-leitor.
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PP!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Eu gostei muito do seu blog, mas não é por isso q eu estou aqui escrevendo esse comentário.
Eu queria muito ir cum Mateus lá no Jambeiro te ver hoje, mas ele está muito mau humorado e grosso (bom, pelo menos comigo) e eu estou evitando ficar perto dele. Mas como so tinha ele pra me levar, eu não fui. Vc me perdoa, ne????? Seu conto ficou muito bom e eu te dou meus parabéns!!!
Bjs, PP!!!!!!!!!!
Pedro Paulo, esse post já tem quatro comentários e você ainda não postou outro, qual a desculpa agora?
Eu já li esse texto há muito tempo. Vim aqui agora atrás de novidades. Gosto daqui ;-)
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