16 junho, 2006


Chapter Two

A consistência daquelas coisas gelatinosas e desconhecidas me fez pensar em muita literatura. Seria aquilo o que tanto foi chamado de amor? A complexidade e a variedade das definições dessa palavra a faziam muito mais complexa do que, por exemplo, “fome”. Depois de comer se entendia o que se tinha tido. Se Camões falou a sério quando disse que “o amor é fogo que arde sem se ver” – e o fogo me pareceu bastante simples quando definido como algo potencialmente destruidor e múltiplo, numa síntese de tantas definições – parece que aquilo que engoli com ansiedade era o amor. Talvez tenha sido uma espécie de exagero dizer que não o vemos, já li também que é cego. De fato, com a luz do sol resplandecendo diretamente sobre o amor que fica espalhado na areia da praia, ele não é visto, apenas o brilho do sol se torna ainda mais intenso. Este potencial de intensificar a natureza das coisas, de fazê-las serem ainda mais o que são também me parecem ser atributo do amor, algo que um homem chamado Paulo escreveu em uma carta. Certamente é uma matéria complexa, com uma materialidade mais concreta que a da fome, mas que me parece, de alguma forma, a esta correlata.


Comi todo o amor que pude colher sobre a praia, mas a fome voltou depois de um tempo. E a ardência estava ficando muito maior que a invisibilidade, conforme o brilho do sol fazia a cor do céu ser cada vez mais diferente da cor do mar, e com a transitoriedade daquilo, pensei em achar alguma outra coisa menos complexa para saciar minha fome, algo cuja saciedade fosse maior que aquele ardor – um efeito, provavelmente, secundário. Minha decisão estava tomada: para que eu não sofresse aquele desconforto, o amor não seria meu principal alimento.

End of Chapter Two

3 Comments:

At 4:45 PM, Anonymous Anônimo said...

Maravilhoso amor que transborda de teu peito em palavras.

 
At 7:59 PM, Anonymous Anônimo said...

Já sou suspeita para falar dos textos, né? :p

 
At 12:26 PM, Blogger Daniel Lopez said...

Noam Chomsky afirma que uma criança de 2 a 6 anos aprende uma palavra por hora. O personagem parece viver esta experiência educativa. Na verdade, as palavras "experiência" e "educação" são muito curiosas. Experiência vem do latim ex- "para fora" + peritus "testar", enquanto educação vem de ex- "para fora" + ducere- "conduzir".

Assim, poderíamos dizer que, através da experiência com aquilo que vem de fora, o homem é conduzido para fora da ignorância.

Isso lembra a Alegoria da Caverna, de Platão, o que nos levar a considerar os riscos deste processo: lembrem que o homem que descobriu o mundo exterior foi morto pelos demais, que não acreditaram em sua narrativa.

Em tempo, cabe lembrar que a palavra "livro" tem a mesma origem da palavra "livre". Ambas vêm do termo proto-indo-europeu "leub", que significa "desnudar".

Torcemos para que o personagem possa desnudar cocos e mentiras com a mesma destreza...

 

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