17 agosto, 2006

Diálogo esdrúxulo


Não te chamei. Mas eu não quis vir. Por que está aqui? Não estou. Então por que respondeu? Não respondi. Estou falando sozinho? Não está. Então concorda que existe alguém respondendo as minhas perguntas? Não. Então por que motivo eu continuaria a perguntar caso você não estivesse aqui? Não sei. Então não está acontecendo conversa nenhuma? Exato. Você continua a responder as minhas perguntas e a falar comigo e ainda assim vem me dizer que não há conversa? Não fui te dizer nada. Mas, no entanto está, dizendo! Não estou. O que está acontecendo, afinal? Nada. Se você me diz isto, sua fala já constitui um acontecimento e cai em contradição. Por isso eu não respondo. Nega estar se comunicando comigo? Nego. Então me explique uma coisa: estou falando sozinho? Se é você quem está falando, eu não tenho como saber se você está falando sozinho. Mas eu estou falando com você. Esta pergunta já foi respondida. Ah, então você confessa que está falando comigo! Não confesso nada. Mas você acabou de dizer que está falando comigo. Acabei de dizer que não confesso nada. Mas antes você falou que uma pergunta anterior já tinha sido respondida. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Então me diz uma coisa: você é louco? Não. Então porque quer negar sua própria existência? Não quero. Mas está negando. Você é quem diz. Digo e repito. (...) Não vai dizer nada? Eu não quis dizer nada... Ah, desde o início! Não chegou a haver início. Mas ainda assim você está falando uma série de coisas comigo e se nega a admitir. Não me nego a nada e não há série alguma de coisa alguma. Então admite. Não. Vamos ser mais primitivos: você existe? O que você acha? Se não existisse, não poderia estar aqui conversando comigo. Eu estou conversando com você? Eu não estou falando sozinho. Mas eu estou!

4 Comments:

At 3:35 PM, Anonymous Anônimo said...

Espetáculo seus textos...amei todos...heheheh!!Jah estou divulgando o blog...rsrsrs...bjux pra vc!!

 
At 2:16 PM, Anonymous Anônimo said...

Rapaz, muito interessante esse diálogo (ou monólogo), creio que seja uma possível loucura, pacífica, dentro de nós.

 
At 1:28 PM, Blogger Daniel Lopez said...

«Le hasard, c'est toi-même qui t'arrive à toi-même», Paul Valéry

 
At 11:46 AM, Blogger Daniel Lopez said...

Deixo, também, um conselho de nosso amigo Hegel (em "Fenomenologia do Espírito"):

"A consciência de si existe em si e para si quando e porque ela existe em si e para si diante de uma outra consciência de si; isto é, ela só existe como ser reconhecido".

http://camarainversa.blogspot.com/

 

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