16 junho, 2006


Chapter Two

A consistência daquelas coisas gelatinosas e desconhecidas me fez pensar em muita literatura. Seria aquilo o que tanto foi chamado de amor? A complexidade e a variedade das definições dessa palavra a faziam muito mais complexa do que, por exemplo, “fome”. Depois de comer se entendia o que se tinha tido. Se Camões falou a sério quando disse que “o amor é fogo que arde sem se ver” – e o fogo me pareceu bastante simples quando definido como algo potencialmente destruidor e múltiplo, numa síntese de tantas definições – parece que aquilo que engoli com ansiedade era o amor. Talvez tenha sido uma espécie de exagero dizer que não o vemos, já li também que é cego. De fato, com a luz do sol resplandecendo diretamente sobre o amor que fica espalhado na areia da praia, ele não é visto, apenas o brilho do sol se torna ainda mais intenso. Este potencial de intensificar a natureza das coisas, de fazê-las serem ainda mais o que são também me parecem ser atributo do amor, algo que um homem chamado Paulo escreveu em uma carta. Certamente é uma matéria complexa, com uma materialidade mais concreta que a da fome, mas que me parece, de alguma forma, a esta correlata.


Comi todo o amor que pude colher sobre a praia, mas a fome voltou depois de um tempo. E a ardência estava ficando muito maior que a invisibilidade, conforme o brilho do sol fazia a cor do céu ser cada vez mais diferente da cor do mar, e com a transitoriedade daquilo, pensei em achar alguma outra coisa menos complexa para saciar minha fome, algo cuja saciedade fosse maior que aquele ardor – um efeito, provavelmente, secundário. Minha decisão estava tomada: para que eu não sofresse aquele desconforto, o amor não seria meu principal alimento.

End of Chapter Two