10 fevereiro, 2009

Truques

O mágico serrou a assistente ao meio e devolveu-a inteira ao público. As crianças que nunca tinham visto aquilo aplaudiram com entusiasmo. Os pais, muito mais pelas crianças que pelo truque manjado, aplaudiram com entusiasmo fingido e alguma ternura sincera. O mágico sorria agradecendo, fazendo para si mesmo um truque em que quase acreditava. Sua assistente sorria com suas maquiagem e brilhos exagerados e sua malha reduzida, elementos que em outro contexto poderiam desaparecer a qualquer momento, em um truque ainda mais antigo que o daquela noite.


O mágico sorria para o público e tristemente pensava que o reatar seguinte à separação daquele corpo era mesmo mágica. A assistente olhava para os pais na plateia (e não para as mães) que sorriam especificamente para ela e não a motivavam nem um pouco a retribuir com um sorriso que não fosse profissional. A assistente sorria para o mágico e pensava que o restabelecimento que ele proporcionava em seu corpo já era impossível sem truques que só enganavam crianças – um pouco mais velhas do que aquelas, é verdade. O mágico olhava para o corpo recém unido de sua assistente: ele continuava unido como antes, apesar de permanecer, como sempre, tão separado.